sábado, 1 de setembro de 2012

TRANSFORMANDO A DERROTA IMINENTE EM UMA GRANDE E ESPETACULAR VITÓRIA


Essa foi a manchete do jornal A Noite no dia seguinte ao jogo realizado no dia 28 de novembro de 1948, entre Botafogo e Flamengo, no estádio de General Severiano.
Eis alguns detalhes desse jogo.
“Vinte e dois cavalheiros são pagos para jogar futebol. Vários milhares de criaturas saem de casa e ficam espremidas pelas arquibancadas de um campo qualquer para ver aqueles vinte e dois cavalheiros jogarem. Vem um árbitro da Inglaterra, ganhando bom dinheiro, e é incumbido de apitar o jogo dando o exemplo de uma boa arbitragem para os seus colegas brasileiros.
A assistência emocionada espera o apito inicial do Mister. Emoção. Expectativa geral. O árbitro trila o apito e o jogo começa. No mais aceso da luta, no entanto, uma coisa extraordinária acontece. Largam um cachorro dentro do campo e o cachorro começa a correr para lá e para cá, atrapalhando os jogadores e causando muitos risos à torcida.
O apitador para o jogo e o cachorro é posto para fora do gramado depois de muita luta. Todos respiram aliviados, acreditando de que aquilo acabou. Mas é engano. Durante os noventa minutos, o Mister é obrigado a parar cinco vezes o jogo e milhares de assistentes, vinte e dois jogadores e o próprio árbitro ficam à espera que o cachorro seja novamente mandado para fora do gramado.
Isso senhores, embora pareça um absurdo, hoje em dia é usual nos gramados cariocas. Tomem nota: em pleno século XX, numa cidade que tem foros de civilizada, num país de 40 e tantos milhões de habitantes, para-se uma partida de futebol do campeonato mais importante da metrópole por causa de um cachorro...
Aconteceu no jogo Botafogo e Flamengo, já aconteceu antes e certamente acontecerá amanhã ou depois.
Nós não somos contra o Biriba, que ele entre em campo antes do jogo, que entre no intervalo e que entre no fim está certo. Mas permitir que o cachorrinho atrapalhe o jogo é que não achamos direito. Imagine se amanhã cada clube resolve adotar uma mascote. Um, um elefante, outro ainda um hipopótamo, e assim por diante. Os espetáculos de futebol virarão exibição de animais, farão concorrência ao próprio Jardim Zoológico.
Biriba acabou irritando todo mundo, até aos jogadores botafoguenses. E nós aqui, escrevendo essa crônica, ficamos a imaginar o que não dirá, na Inglaterra, Mister Dewine... Há de afirmar que às vezes não sabia se apitava uma partida de futebol ou se tomava parte num show sem grandes compromissos...
Agora vamos ao jogo.
O Flamengo, vencendo o Fluminense, aparecia como um quadro capaz de dar combate ao esquadrão botafoguense. E deu. Isso porque os jogadores da Gávea, muito embora se analisássemos o poderio de cada equipe víssemos que o favoritismo penderia para o lago alvinegro, são sempre capazes de fazer das tripas coração quando em campo.
De modo que, quando o jogo começou, o Flamengo foi à frente apresentando um futebol vistoso e de bom rendimento, muita gente ficou imaginando que o Botafogo sairia de campo derrotado.
Realmente os pupilos de Kanela andavam no gramado à vontade e a marcação que a defesa botafoguense exercia sobre os avantes da Gávea não era, em verdade, eficiente. A prova disto é que Zizinho e Jair Rosa Pinto jogavam completamente desmarcados, principalmente o meia-esquerda, que andava pelos costados do campo organizando perigosas jogadas para a meta alvinegra.
Ávila, Rubinho, Nilton Santos e o próprio Gerson dos Santos não conseguiam se entender e não marcavam ninguém. Enquanto isso, a linha do Flamengo ia desenvolvendo seu jogo, de passes cruzados e rasteiros, trazendo por várias vezes o pânico à meta de Oswaldo Baliza.
Desta maneira, a assistência esperava a queda do arco botafoguense a qualquer instante.
Aos quinze minutos, a linha do Flamengo desce pela esquerda. Zizinho conduz a bola, deslocado, até o costado do campo e centra alto. A defesa do Botafogo parou e Durval se aproveitou da indecisão para marcar o tento número um do Flamengo. Delírio dos rubro-negros que viam naquilo um prenúncio de nova e espetacular vitória.
Consignado o primeiro gol, o Flamengo continuou a exercer forte pressão sobre o arco contrário. Aos vinte e dois minutos, nova carga da ofensiva rubro-negra e a bola vai a cabeça de Zizinho, que levanta sobre a meta de Oswaldo Baliza. Novamente, a defesa para e Gringo consegue atingir pela segunda vez as redes do guardião botafoguense. Nova demonstrações de alegria da torcida rubro-negra, que, naquela altura, já tinha quase certeza da vitória... Mas o segundo tento do Flamengo serviu para acertar a defesa botafoguense. Então cada um dos seus componentes passou a uma marcação “homem a homem”, dificultando, desta forma, os movimentos da vanguarda rubro-negra. Chegou a vez do Botafogo pressionar o reduto flamenguista perigosamente. Também o arco de Luiz Borracha passou por várias situações de perigo, situação essas salvas, na maioria das vezes, pelo arqueiro, por Norival e Biguá, que favorecia o guardião do grêmio tricampeão. O tempo se esgotou e o placar não sofreu alterações.
Muita gente pensou que no segundo tempo as coisas iam tornar a favorecer o Flamengo. É que geralmente o rubro-negro costuma jogar mais no segundo tempo e o Botafogo ao que tudo indicava, iria pregar na etapa final devido aos esforços despendidos na primeira fase. Aconteceu justamente o contrário. Quem pregou foi o Flamengo. E isso ficou positivamente demonstrado quando, dada a saída, viu-se o esquadrão rubro-negro recuar, jogar apenas na defesa, sem esboçar aqueles ataques perigosos dos quarenta e cinco minutos iniciais.
Do outro lado, o Botafogo jogava como que revigorado, como se seu time tivesse entrado em campo naquele instante. Consequentemente, com o prego de Jair Rosa Pinto, que era o elemento de ligação, a linha flamenguista parou. Retrocedeu para tentar o impossível: deter a avalanche alvinegra que cada vez se mostrava mais forte. O arco de Luiz Borracha passou inúmeras vezes por situação de pânico mas nestes momentos críticos sempre aparecia, providencialmente, um defensor flamenguista, para evitar a queda de sua cidadela.
No entanto, todos sentiam que a coisa estava mudando e que muito em breve o Botafogo conseguiria. E realmente tal aconteceu. Numa descida da linha botafoguense, a bola foi centrada rasteira por Braguinha. Ávila, que vinha lá de trás, correndo, emendou também rasteiro para burlar a vigilância de Luiz Borracha. Os botafoguenses viram, então, que a vitória não seria impossível, como chegaram a pensar, talvez quando o Flamengo mandava no jogo e ganhava por 2 x 0.
Nesta altura, o Flamengo já andava desorientado, dando chance ao Botafogo para incursionar pelo seu terreno por diversas vezes. Mas assim mesmo a tarefa do alvinegro era difícil, porque Biguá aparecia jogando muito bem, e Norival e Luiz Borracha também.
Aos vinte e dois minutos houve um lance sensacional, inédito quase. Houve um ataque do Flamengo – um dos raros do segundo tempo – e a bola saiu pela linha de fundo. Oswaldo Baliza cobrou o tiro de meta com um chute à meia altura. Gringo, na linha média botafoguense emendou a pelota, muito alta. Oswaldo Baliza, que voltava calmamente para o arco, na crença de que a bola estivesse no meio de campo, não viu a pelota que ia em direção ao seu arco. Quando viu, alertado pelos seus companheiros e pela torcida que antevia o desastre, saiu correndo para deter a bola que já o cobrira. Conseguiu ainda tocá-la com as pontas dos dedos, mas não evitou que a mesma se aninhasse em suas redes. Era o terceiro gol do Flamengo, que fez com que a torcida delirasse na expectativa, novamente, de uma vitória.
Mas a alegria rubro-negra durou pouco. Dada a saída, o Botafogo foi à frente e pegou a defesa do Flamengo descolocada. Octávio, então, fez o serviço que lhe competia. Recebeu a bola da direita e chutou para as redes de Luiz Borracha. Era o segundo tento do Botafogo, tento esse que liquidaria de vez o Flamengo.
Novamente foi posta a bola no centro e dada nova saída. O Botafogo foi à frente cheio de autoridade. E o Flamengo, tonto, andava sem se acertar, pelo campo. Cada vez mais se acentuava o predomínio alvinegro, e a cada momento os jogadores do Flamengo mais se entregavam.
Aos 30 minutos e meio, o Botafogo desceu pela esquerda e bola foi a Braguinha. O extrema livrou-se bem de Biguá e chutou para marcar o tento que seria o do empate e que abalaria profundamente o moral já abatido do quadro de Kanela.
O tempo passou com o Botafogo já agora procurando o tento que lhe possibilitaria pular na frente do marcador, em busca de uma vitória que seria sensacional. E três minutos e meio depois, conseguia o seu intento quando Pirilo, aproveitando-se de uma confusão na área do Flamengo, aninhou a pelota nas redes do arqueiro Luiz Borracha. Delírio na social alvinegra que via uma derrota transformar-se numa virada extraordinária pela sua expressão.
Em campo o Flamengo já estava batido. Mas estava escrito que a vitória do Botafogo seria por um placar mais dilatado. Aos quarenta e quatro minutos, o extrema Paraguaio, numa rápida investida, passou por Jayme e Norival para chutar frente a frente com Luiz Borracha e marcar o quinto e último tento do Botafogo, que selaria um resultado justo, uma vez que o esquadrão alvinegro soube reagir no tempo devido e se aproveitar habilmente das falhas do adversário.
Ao Flamengo coube a glória de ter oferecido a um dos líderes uma resistência inesperada que deu maior colorido e significação ao resultado alcançado pelo seu adversário. Passou desta forma o Botafogo por mais um perigoso concorrente nesta corrida sensacional pelo título de campeão da cidade do ano em curso.
Os quadros formaram assim:
BOTAFOGO: Oswaldo Baliza, Gerson dos Santos e Nilton Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirilo, Octávio e Braguinha. Técnico: Zezé Moreira.
FLAMENGO: Luiz Borracha, Nilton e Norival; Biguá, Bria e Jayme; Luizinho, Zizinho, Gringo, Jair Rosa Pinto e Durval. Técnico: Kanela.
Mr. Dewine foi um árbitro correto, muito embora amarrasse o jogo marcando todas as faltas, mesmo quando o atingido levava vantagem.
A renda foi de Cr$ 207.964,00”.


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